De acordo com a Organização Mundial da Saúde, "a sexualidade humana forma parte integral da personalidade de cada um. É uma necessidade básica e um aspecto do ser humano que não pode ser separado de outros aspectos da vida. A sexualidade não é sinônimo de coito e não se limita à presença ou não do orgasmo. Sexualidade é muito mais do que isso. É energia que motiva encontrar o amor, contato e intimidade, e se expressa na forma de sentir, nos movimentos das pessoas e como estas tocam e são tocadas. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e integrações, portanto, a saúde física e mental. Se saúde é um direito humano fundamental, a saúde sexual também deve ser considerada como direito humano básico. A saúde sexual é a integração dos aspectos sociais, somáticos, intelectuais e emocionais de maneira tal que influenciem positivamente a personalidade, a capacidade de comunicação com outras pessoas e o amor".

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Sexo: A história de um tabu.

Por: Christine Gribel

RESUMO: Este texto tem como objetivo apresentar os fatores sócio-culturais que fizeram com que sexo e pecado estivessem correlacionados. Desde o início da humanidade, o sexo tem um papel fundamental na vida das pessoas, e o seu conceito carrega associações até hoje de “sujo”, “feio” e “errado”. Usarei como fundamentação teórica autores que discutem a sexualidade, mais precisamente sua história.
PALAVRAS-CHAVE: Sexo, Pecado, Mulher, Religião.


ABSTRACT: The object of this text is to present social and cultural facts that makes sex correlated to sin. Since the beginning of the humanity, sex has an essential part on people’s life, and it’s concept has been associated to “dirty”. “ugly” and “wrong”. The adopted theoretical foundation includes authors that discuss about sexuality, more exactness it’s history.
KEY WORDS: Sex, Sin, Woman, Religion.

INTRODUÇÃO:


O presente artigo tem uma proposta de se pensar a história da sexualidade, onde sexo e pecado se tornaram inerentes nas conceituações de diversas sociedades. Aqui farei uma breve retrospectiva da sexualidade desde o início da vida humana, suas transformações e conseqüências. Priorizarei a sociedade ocidental já que este trabalho não tem a pretensão de ampliar outras histórias de sociedades que se diferem bastante da nossa.
Até hoje falar em sexo ainda é um tabu, porém, paradoxalmente, nunca se falou tanto em sexo, sexualidade. Há realmente uma exacerbação do assunto, mas me pergunto sobre o conteúdo do mesmo, e em como a sexualidade é tratada pelas pessoas. Penso que há uma carência de informações concretas, sensatas, e por que não, maduras.
Mesmo com tanto “sexo” por aí explicitado na mídia, por exemplo, o tema é retratado com descaso, banalizado, tentando esconder e ludibriar a sua veracidade, importância. A insegurança sobre o assunto é nítida quando o mesmo é encarado desta maneira hostil. Outro fator importante a ser mencionado é que sexualidade e pornografia muitas vezes são confundidos. De fato há uma indústria pornográfica agindo por trás disso; um mercado que movimenta milhões no mundo.
É, então, importante fazer um levantamento da história do sexo, sua conceituação, e a implicação na história da humanidade, principalmente no papel que a mulher vem ocupar nesta história. A mulher, sim, é a grande protagonista desta história.
Começo a falar sobre a pré-história e “viajo” até o terceiro milênio em busca de resoluções para a associação entre sexo e pecado, sem esquecer de elucidar a contextualização da igreja.


COMO TUDO COMEÇOU:


Na pré-história o sexo era visto igualmente entre os animais: uma realização física, ou seja, natural e imprescindível. Não era atribuído à ele qualquer conceituação moral, até por que estamos falando do primórdio da humanidade.
O primeiro tabu instalado nesta época foi o incesto. Este é conhecido como a união de pessoas com um certo grau consangüíneo. O canibalismo era conhecido como o primeiro tabu, mas estudiosos no assunto mencionam que foi realmente o incesto. O segundo tabu foi a menstruação. Sua função biológica era desconhecida, porém com o tempo correlacionaram como um sinal de maturidade. O sangue era encarado como um poder especial, relacionado à magia, feitiçaria, alquimia.
Já nas primeiras civilizações foi cultivado um sistema de vida que beneficiava o sexo masculino: este obtinha um papel de dominador, poder, concomitantemente à mulher era atribuída os cuidados com o lar, filhos, limitando seus relacionamento, intelectualidade, e participação nas resoluções importantes. Tannahill (1980) relata que “ao cultivarem um sistema de vida que legal e socialmente beneficiaram o sexo masculino, os povos do antigo oriente Próximo também criaram um clima no qual ficava fácil para o homem ser o dominante. Quando todas as forças sociais conspiraram para ancorar a mulher e seu lar, para limitar o relacionamento com sua família e proibí-la de aparecer diante de estranhos, o resultado foi aprisiona-lhe a mente, de maneira tão eficaz como o corpo.” (pp. 64-65)
Já Masters e Johnson (1998) acrescentam que “a mulher era considerada um bem de valor sexual e reprodutivo. Os homens podiam ter várias parceiras sexuais, a prostituição era difundida e o sexo era aceito como um fato simples da vida”. (p. 15)

Aproximadamente em 2300 a.c., a circuncisão era comum no Egito, mas seu uso ocorreu depois que os hebreus a tornaram um artigo de fé. Ela foi tornada obrigatória e representada por um ato de fé do povo Judeu para com Deus. Com o judaísmo ocorreu uma curiosa gama de posturas em relação ao sexo. Nos primeiros cinco livros do antigo testamento encontram-se leis sobre a conduta sexual. O sexo era visto como fonte de criação e prazer, não sendo limitado apenas à procriação.
A Grécia Antiga foi marcada pela beleza, intelecto e sexualidade. Foi uma época de grande valor e ênfase ao casamento e à família. O papel da mulher era secundário, ou melhor dizendo, quase nulo visto sobre sua participação nos processos decisórios. A homossexualidade era considerado comum, e geralmente ocorria entre um homem mais velho e um rapaz adolescente.
Havia uma valorização do masculino, onde beleza e educação eram imprescindíveis: quanto mais belo mais próximo dos deuses. A mulher era sujeita à autoridade de um homem da família, não recebia educação formal, e não tinha direito político. Não se alimentava na mesa com o marido e seus aposentos eram separados do marido. Saiam pouco de casa, mesmo assim acompanhadas. Sexo com a esposa apenas tinha cunho de procriar.

“Os Gregos condenavam todas as mulheres como irracionais, hipersexuadas e moralmente defeituosas.” (TANNAHILL, 1980, p. 102)

Curioso para a época, era permitido às mulheres os olisbos ou dildos, vibradores fabricados de couro e madeira. Este utensílio tinha o intuito de “garantir” a fidelidade da esposa, caso houvesse uma necessidade sexual.
Conhecidas como servas de Afrodite, a denominação dos papéis das mulheres nesta sociedade era: esposa, hetairas (cortesãs de luxo), concubinas (amantes, esposas secundárias) e prostitutas de bordéis e ruas. As hetairas eram mulheres belas, inteligentes e com conhecimento de literatura clássica – elas eram bem-sucedidas em um mundo masculino.

Na Roma as mulheres tinham mais liberdade do que as gregas, havendo uma participação mais ativa. Diferencialmente das citadas, eram extremamente vaidosas, havia uma valorização de dotes e da virgindade. A religião oferecia às mulheres uma fuga contra o tédio. As romanas conquistaram o direito ao divórcio, que era concedido apenas aos homens, levando seu dote consigo.


A IGREJA CRISTÃ:


Nas primeiras formas de cristianismo houve uma mistura das atitudes gregas e cristãs frente à sexualidade. Ocorreu a separação do “amor carnal” ao “amor espiritual”. Havia quanto ao sexo um pensamento opressor, o qual tinha como objetivo apenas a procriação.
Agostinho relacionava sexo ao pecado, acreditando que o desejo sexual se deu na queda de Adão e Eva no Jardim do Éden, sendo este pecado transmitido aos filhos pela luxúria inerente que separa a humanidade de Deus. O mesmo mencionou o celibato como a única maneira de se alcançar o estado de graça que existiria no Jardim do Éden. Padres e freiras, então, deveriam aderir ao celibato.
O amor carnal era encarado como pecado, e o espiritual como puro. Ambos não deveriam estar relacionados. Era pecaminoso descobrir o prazer no sexo; o corpo não estava destinado ao sexo, mas sim como receptáculo para mente e espírito. A igreja, assim, propagava a moralidade cristã.
CHAUÍ (1984) menciona Santo Agostinho, dizendo que ele combina duas tradições – a de Tertuliano, que preferia evitar o casamento, e a de São Paulo, que tomava o casamento como lei divina e “remédio”.
“Nele encontramos o núcleo do ideário cristão que conserva o par virgindade/castidade privilegiado, como atesta o celibato dos padres católicos e das freiras, e o casamento-remédio, que levará, durante a Idade Média, ao elogio do casamento casto (isto é, sem sexo após o cumprimento do dever da procriação, dever tanto mais sagrado se cumprindo sem prazer, muitos dos teólogos considerando o prazer no casamento adultério e, portanto, pecado). Este elogio iria produzir, no correr dos séculos, a imagem da mulher ideal como mãe assexuada e honesta esposa frígida. Vitória contra Eva.” (p. 92)

Este pensamento foi tão, que os padres tinham dúvida da vericidade do “crescei e multiplicai-vos”, contida no Antigo Testamento, e assim, da obtenção de filhos pelo sexo como não sendo pecado.
A mulher continua com o seu papel de cuidar dos filhos e da casa, tida ainda como inferior. Era valorizada a mulher virgem e enclausurada. O cristianismo dizia que a mulher era igual espiritualmente. A religião trouxe muita culpa à mulher, afetando diretamente sua sexualidade; além de inferior, a mulher era tolhida do prazer, da felicidade sexual com seu marido, o que dirá com outro homem.
WOLF (1992), cita Alfred Kinsey, sobre a repressão da sexualidade feminina:

“As crenças religiosas tinham pouco ou nenhum efeito sobre o prazer masculino, mas podiam cortar com a força de uma circuncisão o prazer da mulher, sabotando por meio da culpa e da vergonha qualquer fruição que ela pudesse, de outra forma, experimentar.” (p.173)

A reforma protestante defendia uma postura melhor quanto ao sexo em relação à Igreja Católica, não considerando o celibato como virtude, tampouco o sexo pecaminoso.

No século XIII, com interesses particulares do poderio da igreja e da classe dominante, o casamento passa a ser considerado como sacramento, sendo assim indissolúvel. Ou seja, mais um pecado haveria de surgir para culpabilizar homens e principalmente as mulheres: o divórcio.

“A sexualidade fora do casamento era combatida. O mesmo ocorria como amor livre, as relações extraconjugais; com a sexualidade fora da procriação: a homossexualidade, a sexualidade infantil e a sexualidade depois do climatério”. (USSEL, 1980, p.69)

A era vitoriana teve início em meados do século XIX, trazendo uma severa repressão sexual. Mulheres e crianças eram seres puros e inocentes, havendo um puder excessivo quanto aos mesmos. Havia uma mentalidade anti-sexual, porém carregada de um cinismo indiscutível (as coisas eram feitas por baixo dos panos).
Podemos dizer que nesta época fortificou o grande tabu quanto a masturbação, estigmatizando-a como causadora de danos cerebrais, loucura e diversas outras doenças. Ocorria uma depreciação do sexo, encarado como feio, sujo e imoral. Foi reforça da a imagem da mulher “rainha” do lar, assexuada, esposa, não relacionada ao prazer carnal. O homossexualismo era severamente repreendido.


O PECADO DO SEXO:


A compreensão para a associação do sexo ao pecado é visível se buscarmos na nossa história. Somos totalmente influenciados pelos nossos antecedentes, carregando uma influência cultural enorme, de mitos e crendices. Infelizmente o sexo anda é visto, pela maioria, como um tabu; uma transgressão à moralidade.
BIRMAN (1999) acrescenta que “o imperativo ético de que o erotismo deveria ser regulado pela exigência da reprodução da espécie e dos ideais do amor familiar foi estabelecido na nossa tradição pela religião cristã. Com isso, o prazer do gozo humanos foram desqualificados e esvaziados no seu valor em face das exigências maiores da cristandade. Por essa operação, o sexual foi identificado como a idéia de pecado.”
(pp. 20-21)

A era vitoriana deixou como herança direta via nossas avós, por exemplo, a imagem do sexo feio, da imagem da mãe “perfeita” e cultuada. A mulher, apesar de conquistas frente a hierarquia masculina, ainda é uma desconhecedora do seu prazer, do seu corpo. A passividade ainda é encontrada na cama, nas implicações com seu bem estar físico e emocional. Consequentemente culpam-se os homens pelo fracasso do prazer, pela onorgasmia, e talvez pouco seja feito para que haja uma melhora na vida sexual.
O pecado arraigado nos poderes do superego humano, dita a qualidade da vida sexual e psíquica que as mulheres devam levar. A sensação do pecado, inibe a obtenção de informações eficientes quanto ao sexo, minimizando potencialidades, a exploração do próprio corpo e descoberta do gozo, porque pensar em sexo é um SACRILÉGIO.

“A sexualidade submeteria o homem de uma forma tão irredutível que o faria envergonha-se dela. Depois do pecado de Eva, as relações sexuais estariam para sempre ligadas a um sentimento de vergonha.” (USSEL, 1980, p. 36).


CONSIDERAÇÕES FINAIS:


Falar em sexualidade já não é mais assunto tão escondido como antes, apenas porque sexo virou modismo. Depois da repressão, estamos passando por uma fase de transição, para assim dizer que posteriormente este assunto esteja mais maduro. Há uma confusão, e talvez uma deturpação, sobre as informações, principalmente em como são transmitidas.
A igreja continua exercendo influência na sociedade em relação ao sexo, mas também podemos observar que progressos ocorreram. O aborto ainda é um fato polêmico no cristianismo, mas permitiu algumas concessões, como por exemplo, em caso de estupro. A contracepção, outrora ato tão pecaminoso, uma vez que o sexo no casamento tinha objetivo de “multiplicarmos” a espécie, atualmente é indispensável seu uso por problemas populacionais – mais uma vez a igreja teve que voltar atrás em seus princípios.
Continuamos influenciados pela idéia de pecado, porém muitas das crenças instaladas estão perdendo espaço na contemporaneidade. É fundamental ressaltar que devemos respeitar os indivíduos que acreditam nas crenças, observando seu contexto, para que haja uma melhor compreensão da sexualidade desta pessoa e/ou sociedade.
A história da sexualidade é bastante rica e esclarecedora, mas estamos construindo ainda esta história. Muito se tem a aprender, entender e observar. O papel principal do profissional que estuda a sexualidade é ser multiplicador não só desta história, mas de dados fundamentais para que se propicie uma feliz história pessoal da sexualidade.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:


- BIRMAN, J. “Cartografias do feminino”. São Paulo: Editora 34, 1999.
- CHAUÍ, M. “Repressão sexual – Essa nossa (des)conhecida”. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.
- MASTERS, W., JONHSON, V. “O Relacionamento Amoroso: segredos do amor e da intimidade sexual”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
- TANNAHILL, R. “O Sexo na História”. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980.
- USSEL, J. V. “Repressão Sexual”. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1980.
- WOLF. N. “O Mito da Beleza – como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres”. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

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