De acordo com a Organização Mundial da Saúde, "a sexualidade humana forma parte integral da personalidade de cada um. É uma necessidade básica e um aspecto do ser humano que não pode ser separado de outros aspectos da vida. A sexualidade não é sinônimo de coito e não se limita à presença ou não do orgasmo. Sexualidade é muito mais do que isso. É energia que motiva encontrar o amor, contato e intimidade, e se expressa na forma de sentir, nos movimentos das pessoas e como estas tocam e são tocadas. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e integrações, portanto, a saúde física e mental. Se saúde é um direito humano fundamental, a saúde sexual também deve ser considerada como direito humano básico. A saúde sexual é a integração dos aspectos sociais, somáticos, intelectuais e emocionais de maneira tal que influenciem positivamente a personalidade, a capacidade de comunicação com outras pessoas e o amor".

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O desenvolvimento da sexualidade no indivíduo

Por: Christine Gribel
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo fazer um breve estudo sobre a sexualidade infantil e sua manifestação, acompanhando o indivíduo em seu desenvolvimento global. Utilizo, como referencial teórico, autores que analisam a sexualidade. Neste artigo, proponho pensar a sexualidade como base fundamental para a organização emocional.
PALAVRAS-CHAVE: Infância, Sexualidade, Desenvolvimento.

ABSTRACT: The aim of this study is to make a brief analysis about childish sexuality and its manifest, following people on his global development. The adopted theoretical perspective includes authors that study sexuality. In this article I propose to think about sexuality as a fundamental base for the emotional organization.
KEY WORDS: Childhood, Sexuality, Development.

Introdução:


Antes dos estudos Freud e de outros autores, a sexualidade infantil era vista como nula, ou reprimida por ser encarada como pecaminosa, e/ou trazer riscos à criança.
A sexualidade está presente na vida humana desde o seu primeiro dia de vida, e irá assim acompanhar o indivíduo sempre. O bebezinho quando nasce, vai encontrar no seio da mãe a saciedade para seu desconforto – a fome – ou seja, vai experenciar a sua primeira sensação de prazer. Este seio, o seio bom, vem suprir as primeiras necessidades da criança. Freud afirmava que o desenvolvimento da personalidade estava relacionada a sexualidade infantil, sendo os primeiros anos de vida decisivos.
Kaplan (1999) acrescenta que “experiências amorosas físicas entre mãe/criança ou pais/criança podem ser necessárias para o desenvolvimento psicossexual normal, saudável e que, sem estes contatos familiares eróticos de prazer mútuo, as crianças podem nunca desenvolver sentimentos ou desejos sexuais normais dentro de uma relação amorosa.” (pp 56-57)
Este trabalho apresenta uma breve passagem da manifestação da sexualidade e o seu desenvolvimento pela vida adulta. Retrata o papel dos pais na educação sexual dos seus filhos, gerando adultos sexualmente sadios ou não.
Segundo Lapanche, “na experiência e na teoria psicanalíticas, ‘sexualidade’ não designa apenas as atividade e o prazer que dependem do funcionamento do aparelho genital, mas toda uma série de excitações e de atividades presentes desde a infância que proporcionam um prazer irredutível à satisfação de uma necessidade fisiológica fundamental (respiração, fome, função de excreção, etc.), e que se encontram a título de componentes na chamada forma normal do amor sexual.” (2001, p. 476)


Freud e os estágios psicossexuais:


Freud criou estágios de desenvolvimento sequenciais, que chama de psicossexuais, pois são as pulsões sexuais que levam à aquisição das características psicológicas. São o estágio oral, anal, fálico (estágio pré-genitais); a criança atravessa um longo período de latência, onde os impulsos foram repreendidos e, assim, na adolescência, chegam ao estado genital.
O estágio oral dura cerca de um ano, e a zona erógena específica é a boca. Como mencionado anteriormente, a amamentação vai dar ao bebê suas primeiras sensações prazerosas envolvendo a capacidade de sugar, engolir, cuspir. Por ser totalmente dependente da mãe para sobreviver, surgem neste período sentimentos de dependência. O estágio anal surge entre 2 a 3 anos, onde irá arcar conquistas infantis de socialização e autodomínio. As fezes vêm caracterizando esta fase como os primeiros produtos sobre os quais se tem controle. Segundo Freud, o excremento é o primeiro presente infantil. A criança tem o controle de suas fezes, onde o reter e o expelir vão propiciá-la prazer (erotismo muscular). Há um deslocamento do centro erótico da libido para as atividades anais. A modalidade expulsiva antecede a retentiva, ou seja, as projeção antecede o controle. Essas fases fazem com que a criança tenha um maior conhecimento do seu corpo, uma vez que a mesma já esteja caminhando, falando, explorando o ambiente.
Na fase fálica vem a descoberta da sexualidade. Rappaport diz que “a sexualidade dessas estapas pré-genitais definem vínculos com a mãe, vínculos com o pai, importantes modelos evolutivos de relação com o mundo, mas não caracterizam ainda uma atração genital configuradora dos vínculos masculino-feminino.” (1981, p. 133)
Nesta fase aparece a curiosidade do corpo da mãe, e do pai, assim como de seus coleguinhas. Surge o “diferente”: órgãos sexuais distintos vem trazer curiosidade. É a fase dos ‘por quês’, da curiosidade sexual, dos jogos sexuais, como as brincadeiras “sexuais” com crianças do mesmo sexo, pois os papéis sexuais ainda não estão definidos. Os jogos sexuais são fundamentais para a sexualidade do futuro adulto: a brincadeira com o corpo, acarreta em um maior conhecimento do mesmo, de seus prazeres.

As crianças vão usar da brincadeira como forma de linguagem.

“Podemos discutir o jogo não como um fenômeno paralelo à linguagem, mas sobretudo como sendo em si mesmo linguagem, uma protolinguagem não verbal, que já é estruturalmente linguagem.”
(ROZA, 1999, p. 45)

A masturbação e a vida fantasiosa propiciam o aparecimento do complexo de édipo, que é o processo fundamental desta fase. No édipo a mãe tem que reconhecer que o filho não vai satisfazê-la toda. O objetivo da função materna é organizar os fragmentos da filho. Já a função paterna introduz o limite, a castração.
A fase de latência ocorre por volta de 6 anos até 11/ 12 anos. A amnésia infantil surge entre 6/8 anos, onde há apenas alguns fatos pouco confusos e meio fragmentados. A criança apreende sentimentos e experiências novas inconscientemente. A relação que tem com o desenvolvimento do caráter é que a Segunda fase da atividade sexual infantil (retida na amnésia infantil) deixa marcas inconscientes na memória que vai determinar se o caráter permanecerá sadio ou se poderá desenvolver algum distúrbio depois da puberdade. Há nesta fase uma estabilização/diminuição das atividades sexuais.
Por último, na fase genital, as catexias dos estágio oral, anal e fálico se fundem com os impulsos genitais (sexualidade madura). Acontece na puberdade para a adolescência. A principal produção deste estágio é a reprodução. A erotização está agora no corpo do outro, não mais só no seu.


Outras contribuições:

Erickson também contribuiu muito na compreensão da sexualidade. Enfatizou o que chamava de “o plano básico do corpo”, onde “[...] pelo menos nas crianças pré-púberes, a configuração anatômica influenciava fortemente o uso lúdico do espaço na elaboração de configurações exteriores e interiores. Estas, evidentemente, contêm temas profundamente influenciados pelos papéis sexuais tradicionais. Essas interpretações parecem concordar com a máxima de Freud de que ’anatomia é destino ‘, com a implicação de que as diferenças sexuais são inatas e resistentes à mudança.” (CAMPBELL, 2000, p. 177)
Erickson achava que as diferenças sexuais surgiam em parte como um produto dos fenômenos desenvolvimentais que chamava de zonas psicossexuais, modos dos órgãos e modalidades sociais. As zonas correspondem às zonas erógenas identificadas por Freud.
Reich dizia que a repressão social e cultural das instintos naturais e da sexualidade do indivíduo eram um obstáculo ao crescimento. Sentia que esta era a maior fonte de neuroses, ocorrendo nas três principais fontes da vida: primeira infância, puberdade e idade adulta. Os bebês e crianças encontram muita autoridade e repressão sexual. Neste período de vida Reich reafirma as observações de Freud a respeito dos efeitos de negativos das exigências dos pais relativas ao treinamento da toalete, às auto-restrições e ao “bom” comportamento por parte das crianças pequenas. Reich sentia que pessoas criadas numa atmosfera que nega a vida e o sexo, desenvolvem um medo do prazer que é representado em uma couraça muscular.


Criança, sexualidade e os pais:

A sexualidade é um conjunto de manifestações biológicas, de aprendizagem social, introjeções de conceitos, e assim, de atitudes. É vista pela nossa cultura ocidental muitas vezes como suja, imoral, errada. Isto trazemos como herança cultural de décadas e séculos de repreensão, fato fundamental para a compreensão de hoje.

“O sexo é uma função natural e acredito que se possa esperar que uma criança desenvolva uma capacidade normal de amar, desejar parceiros apropriados e funcionar bem sexualmente desde que ela seja criada em uma família relativamente estável, recebendo carinho adequado dos pais, tenha uma relação amorosa e construtiva com eles e não seja ensinada a se sentir culpada sobre sexo ou com medo de sexo nos anos de sua formação.”
(KAPLAN, 1999, p. 131)

Somos seres sexualizados, e trazemos isto desde a infância. Passamos por estágios de aprimoramento para chegarmos a idade adulta com uma maturidade sexual e emocional. Para chegarmos a esta maturidade precisamos elaborar nosso papel sexual, e encontrar a identidade sexual. E é na infância que este processo se inicia e acarreta no desenvolvimento da vida. Os jogos sexuais, brincadeiras, curiosidade são necessários para que a elaboração ocorra.
A criança se inicia sexualmente pela busca de prazer em seu corpo, passando pela curiosidade do corpo alheio, para então chegar na busca do prazer pelo copo do outro junto ao seu, já na adolescência. É necessária a vivência destes jogos e descobertas para que a sua sexualidade, a posteriori, seja satisfatória, e não carregada de dúvidas quanto ao corpo, falta de prazer e repressões.
MASTERS e JOHNSON relatam que “Quando as crianças são apanhadas em brincadeiras sexuais, quer sozinhas ou com outras, a reação negativa dos pais pode ao mesmo tempo ser difícil de compreender, mas fácil de perceber. Do ponto de vista da criança, brincadeira é brincadeira, mas para os pais que descobrem a criança se masturbando ou envolvida em brincadeiras sexuais com outras, a palavra SEXO, em letras garrafais invade a cena.” (1998, p. 152)
A idéia de que estão fazendo algo feio, errado, podem ser introjetadas pela criança, acompanhando pela vida adulta, e concomitantemente acarretando em conflitos de ordem sexual.
Na criança, a principal fonte de intervenções e influências é a família. Esta, com suas crenças, cultura, irá atuar diretamente na construção de normas, projeção de sua cultura, e construção do superego na criança. Mais precisamente, os pais estarão educando seus filhos com base em sua própria educação, experiências, e aprendizagem. Se a sexualidade para os pais não foram apreendidas com naturalidade, esclarecimentos, os filhos provavelmente herdarão uma sexualidade confusa, perseguida por fantasias.
Os pais, pessoas mais próximas aos filhos, deverão responder aos questionamentos das crianças sobre sexo, de forma direta e clara, com o propósito de esclarecer as dúvidas. Este momento de diálogo propiciará uma confiança da criança, fortalecimento do vínculo, e diminuição da ansiedade – as crianças fantasiam para dar conta de algo não explicitado, não compreensível, ou doloroso de entender. O diálogo sempre será o melhor método para a obtenção de uma sexualidade saudável.
Famílias repressoras são sexualmente inibidas e confusas; as dúvidas rodeiam durante toda a vida se não houver um espaço para novos conceitos e esclarecimentos. Pais que não sabem sobre sexo devido suas influências antepassadas, passarão aos filhos essa defasagem caso não se atualizem.
É importante salientar que para as crianças os pais são detentores de todo o saber; as informações que passam são recebidas como verdades absolutas.

“Poder e saber aliam-se para determinar quem é quem na relação entre adulto e criança: enquanto criança, a aquisição do saber está tutelada e dirigida pelos adultos.”
(GARCIA, 1997, p. 71)

Garcia traz também em seu texto, com muita relevância, que a criança é mostrada como aquela que não sabe e sobretudo como aquela que não tem direito a saber. ( p. 70)
Os adultos reservam a posição de poder e saber frente a s crianças, e permanecem prisioneiros do seu saber; não renovam seus conhecimentos, não dão um outro significado, resistindo a mudança. Caso os pais não tenham um conhecimento mais eficaz sobre sexo, eles podem buscar oportunidades de pesquisar, se informar, para assim, transmitirem com segurança à seus filhos novas informações corretas – temos que desmitificar a idéia de que criança não tem direito a saber.
Uma educação sexual adequada, envolvida de diálogo, respeitando as fases de descobrimento do corpo e da sexualidade da criança, “protegerão” as mesmas de informações difusas, influências externas negativas e estereotipias comportamentais de feminino e masculino quanto ao sexo.
A barreira de proteção que nós adultos instalamos frente a criança, cercando-a de cuidados e preocupações, faz com que nós, “detentores do saber”, escolhamos o nível e quantidade de informações que a criança deva receber. A infância de hoje é cultuada, zelada, só que muitas vezes as nossas escolhas protetoras são equivocadas. Mas essa mesma sociedade que quer proteger a criança da televisão, da mídia, por exemplo, das ditas intervenções negativas, a expõe nos produtos fabricados por essa mesma mídia.

“Vivemos num mundo que se preocupa com a criança, que tematiza este tempo da infância como especificidade. Um mundo do qual a estrutura familiar conjugal que conhecemos faz parte, que tem na criança um centro aglutinador de cuidados, de esperanças, de investimentos de toda sorte.” (ibidem, p. 72)

Considerações Finais:


Fechar os olhos para o desenvolvimento da criança, é abdicar os direitos que ela têm de obter um crescimento emocional saudável, propício. Para os pais, enxergar a sexualidade da criança pode parecer aterrorizante enquanto os mitos e pudores relacionados ao sexo permearem em seus cotidianos e mentes.
Sexo só é feio e sujo quando invadimos o corpo de outro sem a sua permissão, sendo pela visão, pelo tato, ou até mesmo pela difamação. Nossa cultura ainda carrega temores, vergonha, negação e distanciamento de tudo que se refere à sexualidade. Há carência de informações concretas, corretas e relevantes para erradicar conceitos desviantes da realidade.
A criança está aprendendo a se relacionar com o mundo, com sua imagem corporal, de acordo com a maneira que olhamos para ela: ela se vê no nosso olhar. Precisamos, então, olhá-la com naturalidade, ajudando na construção de sua organização emocional, e estando disponível para sanar as dúvidas trazidas a partir de suas próprias vivências.

Referências Bibliográficas:


- CAMPBELL, J., LINDZEY, G., CALVIN, H. “Teorias da Personalidade”. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
- GARCIA, Cláudia Amorim. “Infância, cinema e sociedade”. Rio de Janeiro: Ravil, 1997.
- KAPLAN, Helen. “Transtornos do desejo sexual – Regulação disfuncional da motivação sexual”. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
- LAPLANCHE e PONTALIS. “Vocabulário de Psicanálise”. São Paulo: Martins Fontes; 2001.
- MASTERS, W., JOHNSON, V. “O relacionamento amoroso: segredos do amor e da intimidade sexual”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
- RAPPAPORT, C. R., FIORI, W. R., DAVIS, C. “Psicologia do Desenvolvimento”. Vol 3. São Paulo: EPU, 1981.
- ROZA, Eliza Santa. “Quando brincar é dizer – a experiência psicanalítica da infância.” Rio de Janeiro: Contra Capa, 1999.

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